Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
- Mãe, mãe e a Luvaria Ulisses e a Ana Salazar - perguntei soluçando.
- Calma filha, não aconteceu nada, tens que te acalmar - respondia a minha mãe, com uma voz preocupada.
- Diz-me a verdade mãe! A Brasileira, o Souza, a Paris em Lisboa, o Frágil? Aqui no jornal diz que ardeu tudo.
Não mintas, por favor, eu prefiro saber a verdade.
Regressava de uma semana alucinante em Leninegrado, assim se chamava São Petersburgo em 1988, e sou recebida, na minha sala, pelo director-geral da Ilmarinenn, a seguradora onde estagiava, em Helsínquia.
Inocentemente pensei que quereria assegurar-se que tinha sobrevivido à União Soviética, mas o semblante carregado de Atso, o director-geral, fez-me temer o pior.
Foi tudo muito rápido. Os dois recortes de jornal que tinha nas mãos, e que guardo até hoje, não deixavam qualquer dúvida - o centro de Lisboa tinha sido destruído por um incêndio. Uma fotografia mostrava os Grandes Armazéns do Chiado em chamas.
Desde essa viagem, que foi a minha primeira ao estrangeiro e sozinha, é sempre no Chiado que me (re)encontro com Lisboa.
Ainda não coloquei o pé fora do avião e já a minha cabeça por lá vagueia.
Procuro as cores, os sons, os cheiros, os sabores e as caras de sempre. Vagueio. Rua acima, rua abaixo. Vejo as montras. Entro numa loja, noutra e noutra. Procuro aqueles sinais do passado que me aconchegam a alma e me sussurram que nada mudou. Descubro sempre novos detalhes, mesmo que já lá estejam há muitos anos. Só depois deste ritual sinto que aterrei.
A ausência pode ser prolongada, mas a sensação é sempre igual. A minha ligação ao Chiado é eterna e imutável. É no Chiado que estou em casa.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.